E assim, do nada, você decidiu apagar nossas lembranças. Não
do modo convencional ou metafórico, no sentido literal da palavra mesmo. Eu estou
em um dos piores momentos da minha vida e você nem sabe que hoje estaríamos completando
cinco turbulentos e intensos anos juntos. Maldita ciência. Maldita tecnologia. Quando eu soube que você estava tão
infinitamente depressivo, já era tarde demais. Interromper o procedimento só te
causaria mais traumas, afinal, você teria surtos de memórias que deixaram de
existir. Você enlouqueceria.
Sentei naquela velha poltrona amarela e te observei, por
intermináveis horas. Tive que controlar meus instintos para não retirar aquele
capacete estúpido da sua cabeça, mas ao contrário do que você pensa, eu não sou
egoísta a ponto de manter lembranças em você que você imagina serem inexistentes.
Deve ser perturbador. Eu mesma nunca sei distinguir o ilusório do real e isso
realmente me enlouquece um pouco.
Quando restavam apenas dez minutos, me retirei. Nunca foi
tão doloroso andar as ruas de Brighton sem você, e pior, sabendo que você
jamais se lembraria das nossas tardes tomando chá, enrolados em um cobertor. Você vai ter que redescobrir a profundidade
dos sentimentos em filmes preto e branco, e até esse momento chegar, você vai
ser aquele mesmo cara metódico e sem sonhos de antes, é uma pena.
E aquela minha mania excêntrica de correr em um lago
congelado? Você nunca vai saber novamente como foi sentir seus pés sem controle.
Não da mesma maneira libertadora e perigosa.
Deus, como isso é desesperador. Posso me atirar naquela
ponte que costumávamos passar todos os dias para ir para nossa casa? Ela é
linda e deve ser maravilhosa a sensação do frio cortando a minha pele. Frio na
barriga. Arrependimento. Tristeza. Dor. Nada. Está tudo escuro e eu tenho vontade
de chorar, mas não consigo. Quero levantar meus braços, mas eu já não sinto
mais eles.
Me tira dessa crise! Eu quero acordar!
O quarto estava escuro e frio. Meu coração estava em
frangalhos. Era verdade, em partes. Nós havíamos terminado. Senti um alívio por
perceber que tudo não havia passado de um sonho. Ele ainda se lembrava de mim. Mas
não seria uma má ideia ter a minha memória apagada...
* Inspirado no filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças.
* Inspirado no filme Brilho eterno de uma mente sem lembranças.
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