Mais uma vez eu tive uma daquelas crises existenciais. Precisei sair durante uma madrugada fria para testar minha coragem e capacidade. Inútil. Tudo que consegui foi ser perseguida por sabe se lá quem e acordar em um lugar completamente diferente do que eu esperava. E, pior ainda, ter que mentir para quem eu jurava ser meu amor. Mais um engano.
Não, para. Vamos recomeçar a história e darmos um sentido a
ela. O inicio foi exatamente no momento em que eu comecei a questionar minha
personalidade. Do que realmente eu era capaz? Ou incapaz? Seria possível testar
a minha capacidade? Uma das minhas maiores –e inúteis- vontades sempre foi
andar sem rumo e despreocupada por uma rua deserta. O som do silencio me
dominaria e eu voltaria para casa em um êxtase de relaxamento. Incrível. Porque
não? Foi o que eu fiz.
Desci as escadas cuidadosamente e tomei o cuidado de não
abrir portões, pulei o muro. O vento estava gelado lá fora e eu senti medo,
admito. Como um estímulo para provar minha capacidade, segui em frente. Dobrei
a esquina à esquerda e segui em linha reta por longos cinco minutos. Chegando a
uma avenida larga, atravessei as ruas sem problema, não havia ninguém. Do outro
lado havia uma farmácia e apenas ela mostrava que ainda havia vida neste mundo.
Não me importei, continuei em frente, como sempre me aconselharam enquanto
estava em crises loucas e suicidas: “Você precisa seguir em frente”. Mais uma vez dobrei a esquina à esquerda e
passei a sentir uma presença por perto. Convencendo a mim mesma que minha loucura
estava agindo como um câncer e por metástase se espalhando por diversas áreas
do meu cérebro, me causando sintomas esquizofrênicos, ignorei. Segui em frente
e dobrei à direita, pra diversificar um pouco meus passos negativos. Tudo continuou absolutamente da mesma maneira
assustadora, desta vez havia sombras.
Decidi correr. Dei meia volta e segui em frente com a
intenção de dar a volta no quarteirão e retornar à farmácia que eu havia visto
antes. Aliviada e sufocada, entrei na farmácia em desespero. Havia um rapaz no
caixa, sozinho. Seus cabelos estavam desalinhados e seu rosto estava amassado.
Ele era alto, incrivelmente alto e naturalmente musculoso. Havia uma tênue
barba por fazer em seu queixo. Ele levantou imediatamente e trouxe-me um copo
d’agua. Após alguns minutos de soluço desesperado, finalmente acalmei os nervos
e não contei apenas sobre a perseguição, mas desabei sobre o coitado todos os
meus devaneios suicidas e problemas familiares e amorosos. Senti-me tão segura e compreendida.
A partir daqui lembro-me de maneira vaga do que aconteceu.
Entramos em um carro, ele sempre olhando para mim de maneira cuidadosa. Passado
um curto tempo chegamos a um prédio com escadas estreitas e portas
padronizadas. Entramos por uma destas portas e ele deu-me uma camisa sua.
Deixou-me na sala para que me trocasse e disse que eu não estava em condições
de voltar para casa sem que ninguém percebesse. Concordei.
Recordo-me vagamente de ouvi-lo dizer algo diferente do que
as pessoas que, se sentindo tão superiores em estar lidando com alguém abalado
emocionalmente, dizem. Ele falou que sabia exatamente o que se passava em minha
mente e que os loucos só eram considerados loucos por serem inteligentes a
ponto de enxergarem a verdade onde ninguém mais consegue enxergar. Ofereceu-me
um baseado, recusei. Apesar de ele ter dito que isso me tornaria relaxada e
feliz. Enxergo isso como enganar a mim mesma.
Passamos mais alguns minutos conversando e caí em um sono profundo e
cheio de sonhos. Acordei desesperada.
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